segunda-feira, 1 de abril de 2013

De Bordalo ao Chiado.


(Aldeota, Fortaleza-CE, Brasil) 
O relógio ao lado da minha cama, marcava 00:34, pela minha janela eu olhava fixamente para um pé de Carolina do outro lado da rua, enquanto suas folhas balançavam suavemente pela briza fria da madrugada. Na minha mente um preto-velho sentado numa praia fumava um cachimbo. Cerrei os olhos e dormi. 

(Bordalo, Coimbra-Co, Portugal)
Ao acordar, ainda sem abrir os olhos, percebo algo muito diferente, a cama em que dormia era um pouco mais dura, e os lençóis aos quais estava enrolado eram mais grossos e mais quentes. Quando abri os olhos, o espanto e o pânico. Me deparei com um quarto totalmente estranho, de uma casa igualmente estranha, e pela janela, uma paisagem bem diferente do que haviam processado meu olhos. Havia um verde, sim, mas era mais robusto e cheio, não apenas uma árvore com sementes vermelhas despencando.. Era um arvoredo vasto, com um riacho à direita e a beira da estrada mais abaixo da janela. Após alguns minutos revirando tudo de cima à baixo no quarto, encontro uma mochila, com alguns de meus pertences pessoais e um envelope no qual se encontrava dentro, duas passagens de trem para Lisboa, e uma passagem de avião em meu nome para o Brasil. Quando encontrei tais documentos me vi totalmente perdido e me dei conta de que eu estava muuuito longe de casa! Como havia chegado ali? Não se sabe! O que estava fazendo ali? Muito menos! O que iria fazer dali em diante? Aventuras me aguardavam. 

Alguns minutos depois, já com a ideia em processamento, a porta do "meu quarto" se abre, e adentra uma mulher de mais ou menos um metro e setenta de altura, de olhos castanhos e serenos, que me olhavam com um ar de riso, cabelos alourados, porém mais claros que pareciam ser por conta da luz do sol que penetrava pela janela e batia em seu rosto. Ao me levantar da cama, ela estendeu uma mão pra mim e ao segurar, ela me disse calmamente, como quem tem açúcar no coração: "Não se desespere, não me pergunte nada por hora, apenas escute!" E então ela, sem me dizer quaisquer informações sobre quem era ela, e como eu fui parar ali, me explicou um simples itinerário que ela faria comigo no presente dia. Depois de uma xícara de café, um croissant e agasalhos postos, fomos a rua, por volta das 9 da manhã, horário de Portugal. Ao andarmos pela vizinhança simpática do bairro do Bordalo, a mulher foi me perguntando coisas sobre religião e filosofia. Enquanto discutíamos sobre, ela me interrompia e me dava aulas de tais assuntos, de certas formas jamais explicadas a mim. Ela era dotada de um conhecimento ímpar sobre isso, e eu, boquiaberto, depois de alguns minutos fiquei só a escutar atentamente tudo que ela tinha a me dizer. 

Era uma mulher fascinante, aos poucos, fui tentando falar de assuntos pessoais, mas ela, percebendo minhas tentativas de aproximação, foi me cortando logo, e relembrando mais uma vez que eu estava ali para ouvi-la falar. E assim foi, durante um período de tempo conversamos sobre muita coisa, andando pelo Bordalo, e durante essa caminhada, perdi a noção do tal do tempo e quando demos por si, era hora do almoço, fizemos uma refeição rápida em um restaurante típico Português, a qual a comida era sensacional. E então, a moça me perguntou se tinham mandado as passagens, eu prontamente me lembrei do envelope em minha bolsa e as entreguei pra ela, quando ela disse: "Devemos ir andando, nosso trem saí em alguns minutos e eu tenho muita coisa pra te mostrar e falar no caminho." Fomos andando em passos largos até a estação de trem de Coimbra, e de lá, entramos num expresso para Lisboa, que durou pouco mais de 2 horas. Durante todo caminho a misteriosa moça, que agora mais parecia uma familiar minha, embora eu não pudesse aceitar esse fato, pois estava quase convencido de que eu estava era apaixonado por ela, foi me contando histórias sobre Deuses e religião, e então começou a conversar comigo para saber o que eu achava de tais assuntos.

No desenrolar da conversa, nós havíamos chegado à Lisboa e ela durante o percurso deixou escapar que era brasileira, assim como eu, e por conta disso, meio que percebi que ela se sentiu obrigada a me contar tais experiencias sobre sua vida pessoal, porém, sem nunca mencionar seu nome ou coisa parecida. E após chegarmos em Lisboa, ela me convidou a sair da estação e andar pela cidade, e então fomos parar no bairro do Chiado, onde passamos o resto da tarde inteira conversando mais ainda. Só que dessa vez, quem falou mais fui eu, e simplesmente desabafei.. Contei tudo da minha vida pra ela, como se tivesse escrito uma auto-biografia completa para a tal mulher, e ela ouviu a tudo atentamente sem desviar os olhos de mim 1 segundo sequer. E então, durante esse relato de "quem sou eu" contei que passava por diversos problemas e que minha vida, apesar de boa e farta, não era exatamente uma vida feliz. A melancolia em meus lábios ao expressar tais palavras fez com que a moça deixasse escorrer uma lágrima pelo seu olho esquerdo, da qual eu ajudei a enxugar. E quando à perguntei porque chorava ela disse "Agora eu entendi o real significado de eu estar aqui hoje com você." E uma voz no fundo da minha cabeça não me permitiu que lhe pedisse explicações maiores sobre isso, eu simplesmente ACEITEI. 

O bairro do Chiado era extremamente encantador, eu cheguei a falar pra moça, que depois que todo esse vendaval em minha vida passasse, eu iria voltar pra lá, me casaria com ela e moraríamos naquela vizinhança tão aconchegante. E num riso solto ela me disse: "Quando o começo for verdadeiro, estaremos numa vizinhança tão boa quanto, porém, longe daqui, num lugar onde nossas raízes nos segurarão.. No Brasil, que é o nosso lugar, pequeno."
Dito isso, eu passei, não sei 20 minutos ou 20 horas, pensando em tuuuuudo que havia acontecido neste dia, desde o momento em que acordei, até aquele que meu relógio marcava 6:34 na calçada onde uma placa na parede dizia Rua da Madalena. Pensei então, meu Deus, isso deve ser um sonho. (Ué, mas eu não era ateu? Será que aquele papo de religião e filosofia o dia todo tinham surtido efeito?) Pensamentos tolos esses meus, aliás, tão tolo, esse eu. A moça num estalar de dedos me fez "acordar" e então me alertou parar esticarmos as pernas, já cansadas, pois o avião sairia em algumas horas, e a viagem longa me serviria de um tempo extremamente grande para pensar em tudo aquilo. 

Caminhamos então até o aeroporto, em um silêncio necessário, pois muitas palavras haviam sido ditas, e poucos sinais lidos. Nas ruas desertas e quase crepusculares de Lisboa, podia-se ouvir as nossas respirações porque o frio era intenso, e nossos narizes vermelhos mostravam claramente a sensibilidade por conta de rinites ou qualquer outros 'ites' presentes no corpo. Ao chegarmos no aeroporto, algumas palavras mais, sobre assuntos banais e então a doce moça, vendo que se aproximava do meu horário, se despediu calorosamente de mim e falou que precisava voltar depressa pra Coimbra, pra Bordalo, pois no dia seguinte a vida continuava, em seguida me disse para pensar em tudo que havíamos conversado e em tudo que eu tinha vivido naquele fatídico dia. Com um beijo no rosto e um papel dobrado colocado em bolso, ela se virou e foi embora. Ao vê-la de costas, uma voz rouca, calma, pausada e simples disse em meu ouvido: "Meu menino, tudo está só começando pra você, tenha fé, porque existe alguém aqui olhando por ti, em todos os momentos, acredite, e busque, porque na busca, será guiado para o que melhor lhe convém, e então, feliz você será zi fio. Feliz como merecemos todos ser." 

Um arrepio percorreu minha nuca e se dissipou pra todos os lugares do meu corpo, eu senti um calor no meu peito, e uma vibração muito boa à minha volta. Embarquei no voo e pouco tempo depois caí no sono, por exaustão. Ao acordar, estava sentado no chão do meu quarto em Fortaleza, sem saber mais uma vez como havia chegado ali. O relógio marcava meio-dia em ponto. O telefone tocou, era minha mãe, me chamando pra ir a um lugar onde hoje tenho muitas mães. Aceitei ir por intuição e de lá, hoje, não saio mais. A bonita moça? Daqui a alguns meses me disse, sempre por telepatia, que voltaria de lá pra me ver, a sua espera estou, porque agora eu entendi, que o meu lugar é aqui, e que ela vem, e que Ele veio. Poucas coisas eu questiono mais, hoje eu vivo em paz. Felicidade eu tenho em demasia, alegria de algumas pessoas a minha volta contagia, e a amargura se foi. Porque eu simplesmente, aceitei.

"Moça, olha só, o que eu te escrevi.. É preciso força, pra sonhar e perceber que a estrada vai, além do que se vê."

2 comentários:

  1. Esse texto ficou muito bom, apesar de longo me prendeu do começo ao fim. E teve um final bem legal também. :)

    ResponderExcluir
  2. Muito obrigado, fico feliz que tenham pessoas gostando das minhas besteiras! :)

    ResponderExcluir